15 março 2009

O mundo da bola

Leonardo não calça mais chuteiras e nem veste calção. Ainda assim, a palavra do meia e lateral-esquerdo que vestiu a camisa da Seleção Brasileira em 60 jogos segue tendo peso dentro do esporte, brasileiro e italiano. Diretor do Milan, ele tem prestígio tão grande que foi cotado para assumir o comando técnico do clube rubro-negro, onde atua desde que largou a vida de jogador, há seis anos. Em entrevista exclusiva ao site Terra, o tetracampeão deixa transparecer um discurso alinhado com a função que ocupa, totalmente ligada com o que ocorre fora de campo e com uma mentalidade de administração que faz do Milan um dos clubes mais respeitados do futebol mundial. Leonardo expõe a funcional forma de administração dos grandes clubes da Itália. Embora não seja um modelo ideal para o Brasil e escrito por linhas retas, em que os donos bancam as equipes do próprio bolso, há algo a se aprender do que é feito por lá. Para o diretor do Milan, os brasileiros também sabem e podem fazer o futebol como negócio rentável. Só falta vontade para isso.

Terra - Por que os clubes de futebol, ao contrário de qualquer empresa, sobrevivem mesmo sem um lucro financeiro em balanço?
Leonardo - Sobrevivem porque têm injeção financeira por parte do proprietário. Pelo menos é assim aqui na Itália. O dono do clube sempre entra com o dinheiro pra concluir a operação. E a questão está toda ligada à competitividade. Para você conseguir montar um balanço de um time organizado para disputar em nível de Copa dos Campeões, você não tem como estar fora dela. Se você fica de fora você não fecha a conta. Então é um ciclo vicioso: tem que investir para competir em alto nível, mas não tem como garantir que vai estar sempre nas principais competições, porque isso é do jogo.
Terra - E sobrevive quando não fecha a conta?
Leonardo - O clube não quebra por ser um patrimônio 'inquebrável'. A marca, a tradição, o aspecto sociológico da torcida que respira o clube, isso nenhuma empresa tem. Então não quebra. Alguém sempre vai entrar para ajustar as contas.
Terra - Há uma tese que diz que, por mais que os clubes arrecadem, eles sempre gastarão um pouco a mais. O Milan se enquadra nesse exemplo?
Leonardo - Com certeza, mas não é só o Milan, todos os clubes. Se nós analisarmos a questão do retorno sobre o investimento puramente sob a ótica financeira, todos vivem a mesma realidade. Se você pensar em dez anos atrás, de quanto era o budget (investimentos) dos clubes, quanto era a receita e compará-los à realidade de hoje, verá que é sempre necessário investir mais para manter um time no padrão mais alto de competitividade e poder ser o primeiro do mundo.
Terra - É o preço que se paga pela imagem enorme de um clube como o Milan?
Leonardo - Ser campeão da Copa dos Campeões e do mundo é o objetivo de qualquer clube, então invariavelmente é preciso aumentar o investimento, não tem jeito. Mesmo porque você tem que se manter no mercado, que é muito reduzido. O mercado de talentos, então, é reduzido demais e a escassez de ofertas faz com que os custos subam sempre em uma curva crescente.
Terra - Que tipo de lição um clube como o Milan pode dar aos brasileiros no que diz respeito à exploração de novas fontes de receitas?
Leonardo - Hoje, um clube de futebol não tem muito como fugir da estrutura das áreas de onde ele pode tirar receita. O clube faz receita basicamente com três áreas principais: venda de direitos de televisão do seu produto, que é o jogo; licenciamento da sua marca e propriedades do estádio. No caso do Brasil a gente poderia acrescentar a venda de jogador como uma quarta área. Mas essa não é a realidade de um grande clube europeu. O Milan, por exemplo, não ganha dinheiro com venda de jogador.
Terra - Onde é possível melhorar nesse sentido?
Leonardo - Hoje o Brasil, com certeza, poderia incrementar em tudo. Os clubes poderiam aumentar as receitas em todas essas áreas se as vendas dos direitos televisivos tivessem um poder maior também no mercado internacional, que não é a realidade de hoje. Os clubes trabalham limitados a um mercado muito nacional, enquanto a Europa vende para o mundo inteiro e assim tem valor de um produto mundial. Esse é o cenário. No Brasil você tem o valor de um produto nacional, e no momento em que vende para o mundo inteiro, o licenciamento aumenta também, porque a marca passa a falar internacionalmente.
Terra - Alguém no Brasil trabalha bem essa questão?
Leonardo - No Brasil, nenhum clube consegue realmente explorar a marca através de seu licenciamento e isso no nosso país ainda é muito incipiente. E tem as questões de limitação de estádio onde muitas vezes não se consegue aumentar a receita porque se tem que reinvestir em questões básicas como estrutura e manutenção. E o clube não consegue acompanhar o ritmo dessa necessidade de modernização. Então, se você quiser comparar com o Milan, eu posso dizer que dá para melhorar em tudo. Exceto em venda de jogador, onde a relação se inverteria: a partir do momento que eu tenho um faturamento maior, eu tento vender menos para poder ter um produto melhor sempre.
Terra - O Milan ganha dinheiro com estádio mesmo não sendo proprietário. Como isso pode aplicado no Brasil?
Leonardo - Na Itália se ganha dinheiro com estádio, mas o Milan poderia ganhar muito mais. Ele não é proprietário do estádio e a estrutura dos estádios italianos não propiciam a geração de novas receitas como se vê na Inglaterra ou na Alemanha. Percentualmente, no faturamento do clube na Itália, a representatividade dos estádios, é muito baixa se comparada ao que poderia ser. Agora, com certeza o modelo é aplicável ao Brasil, mas infelizmente os estádios que temos hoje no Brasil não permitem que se aumente o faturamento, a não ser mexendo no preço de ingresso. E aumentando o preço do ingresso o público pode até desaparecer. Então o estádio tem que ter um novo investimento planejado para que seja uma fonte de receita. Espera-se que com os investimentos que devem ser feitos em estádios para a Copa do Mundo esse cenário seja modificado para melhor. Mas aí fica a pergunta: quem vai administrar esses estádios depois da Copa? Quem vai se beneficiar com isso? Tem que ver qual política será adotada. Muitos países investiram em estádios para grandes eventos e depois não conseguiram manter o faturamento mais alto no pós-evento. Tudo tem que ser muito bem coordenado.
Terra - Quais exemplos o futebol brasileiro pode aproveitar do sucesso de outras ligas?
Leonardo - Em minha opinião, o Brasil não tem que aprender com ninguém. Eu sempre digo que o Brasil tem todo o know-how necessário pra administrar um produto que existe há mais de 100 anos por aí. Ninguém precisa nos ensinar. Nós sabemos tudo o que acontece em todo lugar. O Brasil tem um potencial de mercado enorme, o problema é a estrutura política do futebol no país. É ela que não deixa essas novas idéias entrarem no futebol para tentar alavancar novos capitais e novos parceiros. O modelo de governança do futebol deixa a desejar, mas isso não quer dizer que nos falta capacidade de gestão. Por isso não acredito que tenhamos necessidade de aprender com Estados Unidos ou com a Europa, é só fazer o dever de casa. O que falta, em minha opinião, é vontade política. É claro que temos que lembrar que estamos num país com limitações econômicas e que está se reestruturando. Mas que a gente sabe fazer, isso sabe.
Terra - Você fala em falta de vontade política para mudar. Há solução para isso?
Leonardo - Claro que existe! No Brasil com certeza existem muitas idéias. Acho que o problema político passa por uma série de níveis, não só de política desportiva, mas também de política do estado. Tem que ter um controle de todas essas situações, isso é fundamental. E não é que esteja tudo ruim, mas certamente algumas situações poderiam ser melhoradas muito. Por isso digo que falta vontade política, pois para você evitar que a criança vá embora do Brasil com 13 anos, tem que ter lei e regulamentação contra isso. E para fazer isso é preciso ter a vontade política de reorganizar um sistema que infelizmente já não produz tanto. Pois os clubes estão sem alternativa, sem novas idéias e sem soluções. Quando eu digo que falta essa vontade é por tudo isso, passa pelo estado, para regulamentar determinados procedimentos e também pela política interna do clube, porque da forma como os clubes são administrados hoje, fica muito difícil encontrar uma solução.
Terra - Qual impacto a crise mundial teve no Milan e no futebol italiano em geral?
Leonardo - A crise mundial existe, é real. A riqueza, a gordura que sobrava, desapareceu. Isso faz com que as pessoas tenham um medo muito grande de novos investimentos, a riqueza diminui porque o consumo cai e isso acontece no futebol também. As grandes contratações e grandes investimentos não acontecerão. Se tiver que cortar gasto, vai cortar. No futebol é assim como em toda empresa. A riqueza de reserva desapareceu.

Comento...
O Leonardo é um cara que está longe de ser burro. Não é o 'jogador padrão', oriundo de favela e tremendamente ignorante. É um sujeito esclarecido, que sabe se portar e tem algum discernimento. O que não o torna um 'exemplo a ser seguido', mas alguém cuja ponião tem valor. Peca quando fala que "o
Brasil não tem que aprender com ninguém". Afinal, os dirigentes daqui têm muito o que aprender. Sobretudo a explorar a imagem do clube como patrimônio. Ganhariam muito mais do que com os trambiques que ainda hoje praticam.

2 comentários:

Anônimo disse...

Tem muito dirigente picareta no Brasil, principalmente os que exploram planos de saúde para pagar jogadores em decadência. Deveriam pagar melhor os médicos e dar assistência mais digna aos seus usuários.
Viva a Amil!!!
P.S. Pô, Romulicha, só eu comento nesse blog? Volta pro e-mail!

BRASA disse...

Não é só vc Sr. Saulo.
Mas, as vezes, eu não tenho nada "inteligente" para contribuir, somente leio...